Por falar em liberdade..... tania navarro swain Os feminismos contemporâneos tem sido uma mescla de aportes teóricos e movimentos que levam às ruas as reivindicações das mulheres de igualdade, cidadania e participação na construção política da sociedade. Temos visto com enorme prazer o crescimento dos movimentos feministas no Brasil, mas ao mesmo tempo, constatamos a propagação de violência masculina e da manifestação de grupos que intentam frear, calar, domesticar as mulheres que escapam às teias do poder patriarcal, pois é a perda de poder sobre as mulheres que assombra o patriarcado. Porém, nenhuma reivindicação de igualdade subsiste se não é acompanhada de liberdade. Liberdade não apenas material, que hoje nos países ocidentais é assegurada pelas leis, mas a liberdade que supõe uma modificação estrutural da produção do sujeito “mulheres”, de seu próprio devir, transformador de seu meio social. Sujeitos de linguagem, de ação, de invenção de si mesmas, eixo de criação de novas imagens e representações sociais do humano, estes são os caminhos da liberdade, pois não há liberdade fora de práticas de liberdade. A liberdade porém, é ameaçada e controlada pelas instituições patriarcais. Nos anos 1980, as feministas desvelaram na categoria patriarcado todo um sistema de dominação e convencimento instalado para criar a diferença e a desigualdade, com a instituição binária da sociedade e sua dessimetria. Esta noção de sistema implica sua extensão e aparelhagem social fundada em poderes arbitrários e discriminadores, na arquitetura das representações do humano em mulher e homem, diferentes por “natureza”. Segundo Geneviève Fraisse, « Demonstrar o funcionamento da dominação é considerado como uma necessidade, para permitir em seguida a ação, a resistência, a subversão. Analisar e transformar, desvelar para refazer, tais seriam as lógicas de uma prática feminista. Teoria, em seguida prática, em suma.”[1] Nesta perspectiva , em minha opinião, tem se falado muito de gênero e pouco de patriarcado e é sobre esta categoria que pretendo me estender aqui. Gostaria de pensar a funcionalidade do “patriarcado” como um dispositivo, noção que mostra claramente seu alcance, material e simbólico: Segundo descreve Foucault o dispositivo se refere a um conjunto de “[...] discursos, instituições organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos. ” (MP244) Este dispositivo, em sua função estratégica, engendra e multiplica poderes cuja substância e definição é a ação sobre a ação humana, como explicita Foucault. [2] ou seja, as tramas do poder que criam e controlam os indivíduos. No caso do patriarcado, a ação sobre o humano é a invenção de corpos e papéis sociais em função da genitália que passa a defini-los, em um esquema de dominação e subordinação. É de fato um tecido, que de forma anônima ou não, mantém a clausura das mulheres em seus corpos sob a violência material ou representacional. Nesta perspectiva, enunciados históricos tornam-se verdades incontornáveis, como a hierarquia baseada na “natureza” dos sexos, a heterossexualidade e a procriação como base primária do social, a predominância do masculino como norma e como representação do humano. As estratégias engendradas passam assim a organizar o social e definir o humano. Dentre as verdades deste modo instituídas, a universalização do patriarcado, como agenciamento a-histórico, ou seja, universal, desde a origem do humano, torna-se um dado indiscutível para todos os tempos e lugares, parte essencial de sua tática de dominação, manifestada em tradições, religiões e sobretudo, no caso da ciência, suposições. De fato, o dispositivo patriarcal é, como todo agenciamento humano, histórico, ou seja, manifestamente dinâmico e plástico. A não ser que se invoque deus e seus asseclas para justificar sua origem e necessidade, em grandes narrativas ficcionais. Ora, nada e sublinho, nada, pode atestar a existência a-temporal do patriarcado, a não ser ilações ou a negação de uma realidade incontornável: o fundamental abismo no conhecimento sobre humano e suas multiplicidades, ao longo de milênios. A história, ela mesmo produzida pelo imaginário patriarcal, fornece subsídios irrelevantes para se universalizar as práticas de poder masculinas e a implantação de um sistema binário social, baseado apenas no sexo. Entretanto, o dispositivo patriarcal se erige em dado natural e esconde, em suas dobras discursivas as possibilidades de outro tipo de relação social. O próprio imaginário é acorrentado às formas de sociedades assimétricas, ocultando as significações presentes nas atividades atribuídas ao feminino. Porque a antropologia se interessa apenas às atividades masculinas, interpretando-as como as mais importantes em sociedades ditas “primitivas”? É o molde patriarcal que obscurece os sentidos e a articulação social na divisão de trabalho observada nestas sociedades. A diferença sexual é instituída como evidência na correlação de forças sociais e é pedra fundamental na instalação representacional e na criação material do patriarcado e seu imaginário. É claro que as genitálias masculina e feminina são diferentes, que o sistema hormonal tem suas especificidades; mas se as singularidades são relevantes, nenhum indivíduo é igual ao outro. O que dá nascimento à noção de diferença sexual como categoria absoluta na divisão de poderes no social e na implantação de uma hierarquia é a IMPORTÂNCIA que é dada à genitália masculina como fator de proeminência e poder. Um exemplo disto foi a atividade colonial em todos os países onde se desenvolveu, que impôs sua visão hierárquica e sexuada da ordem social, dando ao masculino a importância própria às representações dos colonizadores. Ou seja, ma ordem colonial as sociedades dominadas absorveram a articulação social que lhes foi imposta, modificando seus valores e suas características específicas desaparecem das narrativas que as descrevem. É assim que o patriarcado se tornou uma idéia universal: quando algo é repetido incansavelmente acaba tornando-se verdade. A ordem patriarcal Em termos materiais e simbólicos a ordem patriarcal e a construção da diferença sexual apresemta-se como um tripé: a materialidade genital, no caso, o pênis, a figura simbólica do pai e o resultado final, o poder. No pênis e sua expressão, o masculino, localizam-se todas as virtudes sociais, todos os atributos, intelectuais, criativos, produtivos, artísticos, inventivos. A racionalidade é seu apanágio, a força seu sinônimo, a coragem, a capacidade de conhecer, criar, desvendar, julgar, compõem sua significação social. Entretanto, o pênis é apenas um detalhe anatômico e em si não vale nada. O valor que lhe é atribuído é puramente imaginário, é uma representação social que serve para instaurar uma diferença e assentar sobre ela uma desmedida importância social; assim, torna-se inquestionável, evidente, um dado da natureza, aquilo que torna os homens sujeitos políticos, cidadãos, aquilo que lhes dá um lugar de fala, uma autoridade, e que ao nascer, lhes concede a possibilidade de dominar a metade da humanidade. Desta forma, o sexo masculino é representado como fonte de poder sobre o mundo e sobretudo sobre os corpos desprovidos de pênis. Foucault se interroga : « [...] no fundo, será que o sexo, que parece ser uma instância dotada de leis, coações, a partir de que se definem tanto o sexo masculino quanto o feminino, não seria ao contrário algo que poderia ter sido produzido pelo dispositivo da sexualidade?”[3] Em sua vertente discursiva, que o instala no fundo dos tempos, o patriarcado universal seria o suposto ordenador do desenvolvimento social, ancorado como tal no imaginário social contra o fantasma de um matriarcado caótico; na análise, porém o que se descortina é todo um conjunto histórico de regras, discursos, proposições, invenções, efetivadas pela violência da lei ou dos costumes, cuja única validade é sua própria afirmação e sua imposição arbitrária. A idéia de um “patriarcado universal” não passa de um dispositivo de controle e de poder. Um engodo, uma ficção, uma farsa, cujos efeitos, porém, são devastadores. Nesta perspectiva, as práticas criam o objeto dos quais descrevem o funcionamento ou os contornos, em um processo contínuo. É efetivamente a diferença sexual e a ação do dispositivo patriarcal que constroem os sexos e suas delimitações, seus princípios de exclusão, suas formas e expressões, a heterossexualidade como norma e referência, a sexualidade como fundamento do ser, como identidade e inteligibilidade social. Mulheres nos social, fêmeas no biológico, os corpos-em-mulher fixam uma identidade fictícia onde se imbricam as injunções do amor e da sexualidade. Assim se urde a trama onde se tece e se produz o feminino – a objetivação bloqueadora do processo de subjetivação autônomo, pela produção do sujeito de um saber e a produção do saber sobre um sujeito por meio de práticas controladoras, discursivas e não discursivas diversas. O patriarcado não cessa de discorrer sobre as mulheres, seus corpos, suas mentes, destilando “verdades” absolutas a seu respeito. Assim, na noção de diferença sexual se instaura a dominação e a inferiorizarão das mulheres: já que não possuem o atributo essencial, o pênis, sede de ligação com o divino, essência da força e da razão, são transformadas em corpo, em imanência, representadas na submissão e na docilidade, corpos disponíveis para o prazer e para a reprodução de outros machos que darão continuidade à dominação sobre o mundo. O sexo é masculino, diz Colette Guillaumin,[4] as mulheres não tem sexo, elas são um sexo a ser desfrutado. As mulheres são desprovidas do apêndice principal e seus atributos sociais, portanto, sua qualificação, é nula. A diferença sexual criou os homens e as mulheres em significações sociais tão diversas, em hierarquia tão arraigada que anos e anos de militância feminista não conseguiram ainda destruir. Isto porque a reivindicação pela igualdade, cuja importância é inegável, não elimina a raiz da posição inferior das mulheres no social, ou seja, a diferença sexual, nem sua dimensão naturalizada. A filósofa francesa Geneviève Fraisse, também deputada européia, explica sua posição : “ É como se os sexos não pertencessem à questão histórica. A razão pode ser compreendida simplesmente: pertencer à história, é imaginar sua possível transformação, um amanhã diferente de hoje. É assim que minha única ambição filosófica é de convencer da historicidade dos sexos. E a subversão, toda subversão é sua conseqüência lógica.” [5] A igualdade supõe a eliminação da desigualdade mas não menciona a diferença, e a intensa atividade dos movimentos feministas não apagou este quadro de desprestígio do feminino no tecido representacional da sociedade. Poucas mulheres na política propriamente dita, poucas nos cargos de decisão, poucas com um lugar de fala autorizado, com salários equivalentes aos dos homens para tarefas iguais. A representação social, como aprendemos com Denise Jodelet[6], não é resultado das articulações sociais, mas é a própria instituidora destas relações, criando suas materializações. Neste sentido, se a representação assimétrica e sexuada do social se impõe como verdadeira, ela passa a ser verdade. Ou seja, o patriarcado em suas formas diversas, passa a ser a articulação “natural” da ordem social. A premissa da igualdade supõe que haja um referente ao qual se reportar e no caso da diferença sexual o referente é o masculino. Ou seja, enquanto persistir a simbologia sexual, o pênis será o referente, o vencedor, pois orienta a própria definição de ser mulher ou homem, de ser superior ou inferior. Como salienta Colette Guillaumin: “A noção de diferença, cujo sucesso entre nós é prodigioso (...) é ao mesmo tempo heterogênea e ambígua. (...) Heterogênea, pois contém por um lado, dados anatômico-fisiológicos e de outro, fenômenos sócio-mentais (...). Níveis que são inseparáveis, pois são conseqüência uns dos outros, distintos, porém, em nível de análise (...) Enfim, não se pode falar de ‘diferença’ como se isto aparecesse em um mundo neutro.” [7] Não sou a primeira, nem serei a última a criticar a atual difusão da categoria “gênero” sem um aprofundamento crítico. Sua aceitação na academia é uma estratégia que demonstra a plasticidade patriarcal para melhor domesticar a profusa elaboração teórica feminista. Pois o “gênero” enquanto categoria acrítica reproduz a diferença, uma vez que mantém inalterado o sistema binário, cuja base é o sexo. Em um primeiro momento, a categoria gênero foi útil para desnaturalizar os papéis sociais, expulsar a natureza das relações humanas, expô-las enquanto construção social. Mas mostrar sua edificação social não elimina a raiz da assimetria, que é a própria diferença sexual e sua importância simbólica. No caso, sexo permanece o lócus invariável onde se constrói o gênero e suas variantes. Enquanto representação social e axiológica da ordem social, a diferença sexual outorga aos homens todo o poder sobre as mulheres, dando uma importância à genitália masculina muito além de sua realidade física. Ora, só é importante aquilo a que se dá importância e o dispositivo do patriarcado vela sobre o valor atribuído ao pênis, definidor do masculino, do “ser homem”, cuja instauração passa pelo domínio das mulheres. Estas são assim definidas como “diferentes” pela ausência do fundamental, o pênis, cuja realidade material é patética face à importância que lhe é atribuída. É apenas a partir da função da procriação que se constrói uma certa imagem “sagrada” do corpo das mulheres no social, respaldado pelos discursos científicos, eivados de valores e significações arbitrárias. Aliás, o dispositivo patriarcal conseguiu a proeza de fazer da procriação um ato masculino, relegando as mulheres a um corpo passivo, receptáculo da fonte de vida, o pênis. No imaginário, a narrativa da gravidez de Maria é a afirmação, em nível representacional, do poder procriador masculino, à imagem e semelhança do deus patriarcal. Ao se instituir um sistema sexuado binário, cria-se na linguagem e no imaginário a figura do homem, masculino universal, suposto agente de toda atividade e criatividade humana, símbolo de poder e de racionalidade. Dela derivam os homens, no plural, fragmentos deste poder, solidários em suas ações, condescendentes em suas exações, o “nós” da linguagem, que de fato, se constitui na oposição ao feminino.. Quanto às mulheres, esta representação tem, entre outras, duas conseqüências: 1- são apagadas da história e da memória social; 2- perdem sua individualidade e se tornam “a mulher” entidade única e abstrata que porém, designa invariavelmente todas as mulheres. Elimina-se assim toda sua diversidade, toda o processo de subjetivação que cria um sujeito político, pois à “mulher” não há lugar no político. Assim, estudos sobre “a mulher”, dia “da mulher”, condições “da mulher” atividades cujo objetivo é analisar e empoderar as mulheres, em nível lingüístico e representacional, reafirma as divisões patriarcais. O que, da mesma forma, fazem os estudos de gênero. Os dispositivos Nesta perspectiva, três outros dispositivos se colocam em ação, para sustentar a diferença sexual, subsistemas constitutivos do patriarcado. Sua separação é apenas heurística, pois são imbricados à instituição patriarcal. São eles: a) o dispositivo amoroso, que é a rede social de convencimento das mulheres em relação aos papéis que lhes são atribuídos tradicionalmente; b) o dispositivo da sexualidade, que faz das mulheres um corpo sexuado, e c) dispositivo da violência, que atua materialmente com a ameaça, o estupro, o seqüestro, o assassinato, o incesto, a pedofilia e toda forma de intimidação àquelas que ousam desafiar seu controle. É bom lembrar que ao instituir corpos sexuados criam-se coerções e normas de comportamento e para isto é preciso acompanha-las de um aprendizado, de uma domesticação constante em relação às normas valorativas, de forma violenta ou pelo convencimento.[8] O assujeitamento pelo dispositivo amoroso é aquela arma mais insidiosa, já que atua silenciosamente, que coloca, em nome do amor, todas as responsabilidades da manutenção da família, dos doentes e dos idosos sobre os ombros das mulheres. O dispositivo amoroso, nome que dei a este sistema de persuasão das mulheres em relação às suas obrigações “por natureza” torna tão arraigadas estas tarefas que mal são questionadas. Naturalmente, os feminismos vêm denunciando esta injusta divisão de trabalho que resulta em triplas ou quádruplas jornadas de trabalho para as mulheres. Entretanto, sua raiz, aquela que mantém as mulheres atreladas à domesticidade, é a mesma e sempre diferença sexual. Tudo se passa como se lavar roupa, louça, cuidar de crianças, da casa, fossem tarefas absolutamente incompatíveis com a dignidade do homem, digo, do pênis. E as mulheres aceitam isto como um dado, como se fosse impossível mudar as relações entre os seres, fundar uma nova articulação social onde todos fossem responsáveis por todas as tarefas. Que assujeitamento cego é este que aceita uma divisão de trabalho iníqua, em nome de que ? A resposta é simples: em nome da ordem do pai, do pênis, do patriarcado. O dispositivo amoroso se solidifica na imagem da “mulher verdadeira”, daquela que cimenta os laços familiares, que educa os meninos para serem verdadeiros patriarcas e as meninas suas servas. Poder-se-ia seguir sua genealogia nos discursos – filosóficos, religiosos, científicos, das tradições, do senso comum – que instituem a imagem da « verdadeira mulher », e repetem incansavelmente suas qualidades e deveres: doce, amável, devotada (ou incapaz, fútil, irracional, todas iguais!) e sobretudo, amorosa. Amorosa de seu marido, de seus filhos, de sua família, além de todo limite, de toda expressão de si. Apropriação do tempo, da trabalho e dos corpos das mulheres é considerado natural. O amor está para as mulheres o que o sexo está para os homens: necessidade, razão de viver, razão de ser, fundamento identitário. O dispositivo amoroso investe e constrói corpos-em-mulher, prontos a se sacrificar, a viver no esquecimento de si pelo amor de outrem. Esta é a matriz de inteligibilidade das mulheres sob a égide patriarcal. As profissões ditas femininas partilham estas características “amorosa”: enfermeira, professora primária, doméstica, babá, etc. São atividades ou profissões para as quais as meninas são cuidadosamente conduzidas, convencidas que este é seu papel e sua razão de existir. Assim, o assujeitamento se faz localizando uma “natureza” nos corpos das mulheres e sua materialidade, sempre em relação às necessidades cotidianas e ao olhar masculino, no desejo expresso pela beleza, pelas formas perfeitas, por todo um glamour que se concentra no ser “sexy”. Sempre me perguntei o que é ser sexy. É ser objeto de desejo? Apenas um sexo, um orifício a ser preenchido? Como pode ser considerado um elogio? Para ser sexy as mulheres se submetem a formas codificadas de tortura, como os saltos altíssimo, que deformam a coluna e o andar ou os regimes draconianos, cuja expressão máxima é a anorexia, passando pelos gastos exponenciais com a moda em nome da beleza; isto é também o assujeitamento à ordem do desejo masculino, do poder patriarcal. Beleza, feiúra são apenas parte de seu aparato para melhor controlar os corpos das mulheres. Estes parâmetros não são aplicáveis aos homens, pois eles não são bonitos ou feios, eles são, apenas Por outro lado, o dispositivo amoroso as conduz diretamente para uma heterossexualidade incontornável, coercitiva, sem equívocos, já que a procriação é sua recompensa. Mesmo se o prazer é raro ou ausente, é uma sexualidade sem questões, sem desvios, é assim, ponto. No discurso feminino, “ser mãe” é condição de autoridade, é o lugar de fala inteligível para as mulheres Adrienne Rich insiste que : "(...) a heterossexualidade, como a maternidade, deve ser reconhecida e analisada como instituição política - mesmo e mais especialmente por aquelas que se sentem em sua experiência pessoal como as precursoras de uma nova relação entre os sexos" [9] O dispositivo amoroso, assim, cria mulheres dóceis e além disto dobra seus corpos às injunções da beleza e da sedução, guia seus pensamentos, seus comportamentos na busca de um amor ideal, que seria feito de trocas e emoções, de partilha e cumplicidade. É a busca do príncipe, a multiplicação dos casamentos e conseqüentemente dos divórcios, pois o príncipe é com freqüência, apenas um sapo. E isto apenas nos países em o divórcio é aceito. As tecnologias sociais do gênero investem desta maneira os corpos-sexuados-em-mulher em redes discursivas que propõe como axioma a “natureza” feminina, um pré-conceito ancorado no senso comum, propagado e instituído por um conjunto de discursos verdadeiros. Este é o dispositivo amoroso que muitas vezes motiva mulheres a repudiar os feminismos. As tecnologias do dispositivo patriarcal e sua vertente amorosa têm assim uma dupla face, externa e interna : na primeira, a produção do sujeito feminino em quadros de valores para os quais é e cria referência. A segunda é ação do feminino sobre si que utiliza técnicas de acomodação, de adaptação, de assujeitamentos aos códigos, aos limites, às normas de gênero e de sexualidade, O dispositivo amoroso se afirma nas práticas que se desdobram de forma exponencial para a construção do feminino: a educação formal, a pedagogia sexual, a disciplina dos corpos – magralinda – a domesticação dos sentidos e dos desejos para seguir a imagem ideal DA mulher. Isto é o assujeitamento, em sua plenitude. Restam as brechas, o formigamento do desejo de liberdade, para além da sexualidade e do sexo... O outro dispositivo, subsistema do dispositivo patriarcal e dele parte indissociável é o da sexualidade, tão bem analisado por Foucault, que cria na importância dada ao sexo o próprio sexo, sua necessidade absoluta. Este diapositivo se refere principalmente à instituição do masculino, já que sua força e importância residem em seu sexo biológico, cuja expressão material é a sexualidade como expressão de vida. O dispositivo da sexualidade é orgânico, constitutivo do ser homem, de ser dotado de um pênis, seu maior ponto de apoio na materialidade do social. Uma sexualidade desabrida, incontrolada, pronta a tomar e possuir o que quer que esteja à disposição. Quer seja sobre mulheres, ou todo tipo de fêmea dos animais não humanos, a sexualidade masculina não tem e não se impõe limites. Entretanto, a “sedução” é crime das mulheres que devem ter seus corpos cobertos, suas idas e vindas controladas, pois qualquer deslize as torna presas da sexualidade masculina. A tão discutida pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA),[10] mostra níveis assustadores de repressão e de agressividade social em relação a mulheres que se mostrem livres em sua forma de se vestir, de se portar. Elas “merecem” ser atacadas, ou seja, as vítimas são as culpadas do estupro ou abuso sexual, punição natural àquelas que não seguem as normas. E a esfera doméstica é considerada pela maioria como particular, não devendo sofrer interferência externa, mesmo em casos de violência. Continua portanto em vigor o protesto feminista: “o privado é político”! Uma outra estratégia do dispositivo patriarcal que plasticamente incorpora a busca da liberdade das mulheres para melhor utiliza-las é a hipersexualização, que estimula, incentiva, através da mídia em geral a busca constante do sexo como garantia de uma vida saudável e plena. “ Sexo é vida”, continua a escandir a publicidade. A sexualidade como fator imprescindível da vida social e de expressão de ser faz de sua urgência uma quase obrigação de aderir às suas práticas, em idades cada vez mais precoces. Não é a liberdade que aqui se exerce, mas a submissão aos ditames imperativos do patriarcado que em sua dinâmica tentacular, transforma em liberdade sexual para as mulheres seu desejo de apropriação e a afirmação de sua virilidade e poder. Aliás, o único que desfruta desta nova liberdade é aquele que possui, que domina, que penetra, que se instala na irônica liberação dos desejos femininos. Assim, uma aparência de liberdade é outorgada às mulheres pelos poderes instituídos e controlados pelo masculino, para melhor domina-las.. Uma outra distorção da nova “liberdade” supostamente conquistada pelas mulheres é a da pretensa escolha da prostituição como profissão. Ora, a prostituição é o assujeitamento absoluto e completo à ordem patriarcal, é um ser humano transformado em orifícios, mercadoria viva a ser barganhada, carne exposta a ser consumida. Assegurar a “liberdade” das mulheres na prostituição como uma conquista é um insulto à inteligência feminista, é uma cumplicidade ultrajante com aqueles que as exploram de forma vil. A prostituição é, na realidade crua das ruas e do tráfico de meninas e mulheres, a mais indigna forma de exploração das mulheres, compradas e usadas, penetradas, maltratadas, escravidão explícita que alguns querem transfigurar em “liberdade” de escolha ou “trabalho”. Uma coisa é assegurar a proteção de mulheres em estado de prostituição, outra é arvorar a bandeira da liberdade no despojamento da humanidade de outrem. As pretensas feministas que se empenham em assegurar a “agentividade” das mulheres prostituídas, que afirmam sua liberdade em escolher esta “profissão”, que insistem em afiançar sua “liberdade” estão, por um lado, assegurando o “direito” dos homens de usarem os corpos das mulheres como bem entendem. Afirmam a “liberdade” das mulheres de melhor servir o desejo sexual e simbólico de posse e de dominação dos homens, ignorando as condições pungentes que as levaram a isto. Ignoram as coerções, as pressões, os estupros repetidos que as levaram a desprezar seus corpos e aluga-los por um dinheiro sórdido, fruto de amplexos abjetos. O aspecto psicológico das mulheres prostituídas é totalmente ignorado, já que elas são “livres” de exercer este “trabalho”. É evidente que algumas entrevistadas podem afirmar sua “livre” decisão de se prostituírem, pois de alguma forma precisam valorizar o que fazem, para ter um mínimo de auto-estima. Isto também é ignorado nas “pesquisas de campo”. Por outro lado, insistem em colocar indivíduos e seus depoimentos como porta-vozes de milhões de mulheres prostituídas, vendidas, alugadas, mercantilizadas, traficadas, exploradas. Estou aqui falando de SISTEMA e não de pessoas que podem expressar suas singularidades; o SISTEMA prostitucional é pedra fundamental da subsistência do patriarcado: enquanto existir uma só mulher cujo corpo é transformado em mercadoria, todas as mulheres continuam a ser corpos disponíveis para a apropriação e o desprezo masculino. De fato, a prostituição é uma instituição patriarcal, cujos benefícios são exclusivos aos homens. É um mercado mundial, que realiza lucros incalculáveis também para proveito dos cafetões e traficantes e dos “consumidores” que exigem meninas cada vez mais jovens. Esta defesa da “liberdade” das mulheres se prostituírem como uma profissão é um terrível desserviço prestado aos feminismos, já que estimulam as meninas a adotarem este “trabalho” sem questionamentos. Tudo se passa como se fosse “natural” as mulheres se prostituírem, ainda mais porque “feministas” o dizem. Tudo se passa como se estas “feministas” não conseguissem perceber o alcance do assujeitamento simbólico e ideológico que sofrem ao defender como “liberdade” a dominação paroxística dos corpos das mulheres, cuja existência é determinada pelas necessidades do pênis / patriarcado. O patriarcado não necessita defender o mercado de mulheres prostituição, as “feministas” o fazem em seu lugar. Esta perspectiva é particularmente imbricada ao terceiro subsistema de imposição do patriarcado, o dispositivo da violência. O desejo de liberdade das mulheres no mundo atual tem levado a reações extremas de um patriarcado que se sente ameaçado. A violência doméstica, os espancamentos que se contam no Brasil por minuto, os estupros coletivos ou não, o uso do ácido, do fogo para desfigurar as mulheres são expressão do receio da perda inimaginável de alguma ou toda parcela de poder patriarcal. As formas de violência contra as mulheres são inesgotáveis. Arma de guerra, o estupro atingiu milhares de mulheres nas guerras recentes africanas: em Ruanda, na República Democrática do Congo, o estupro era acompanhado da mutilação dos órgãos genitais femininos com facas, paus, rifles. Atualmente[11], na Nigéria, permanecem em destino desconhecido mais de 200 meninas seqüestradas na escola. Não ousamos imaginar os ultrajes a que devem estar sendo submetidas e isto é um crime inominável. Há alguns dias um policial algemou e matou na rua sua namorada em Curitiba e a reação dos passantes foi filmar o acontecimento. A banalidade da violência a tornou aceitável, pelo visto. Violência sem limites, sem horizontes, tudo é possível no ódio que impele os homens a atacar as mulheres, meninas e crianças, para penetra-las com seu sexo e mostrar assim como são poderosos e viris. Seres desprezíveis e repugnantes, os estupradores são porém, uma das faces do patriarcado, uma de suas garantias da domesticação e submissão das mulheres pelo medo. Rosi Braidotti considera que no biopoder exercido sobre os corpos a morte está implícita: “As implicações desta perspectiva bio/necro-poder é radical: não diz respeito à racionalidade da Lei e do universalismo dos valores da moral para estruturar o exercício do poder; e sim de liberar o irrestrito direito soberano de matar, mutilar, violar e destruir a vida de outrem”[12] Porque não vemos manifestações maciças dos homens contra o estupro, os maus tratos, o espancamento de mulheres, práticas já endêmicas na sociedade ? O estupro está longe de ser apenas sexo, é um ato de posse, de apropriação e a excitação/ereção é garantida pela própria violência. O estupro e a violência centrados no sexo exprimem o temor da quebra do “contrato sexual” como o denomina Carole Pateman[13], um contrato simbólico, que garante aos homens, enquanto machos, a apropriação social e individual das mulheres. Monique Wittig afirma, [14] nesta ótica, que assim como o casamento, a prostituição, estupro, posse, propriedade, o emprego da força, da violência são instituições patriarcais, partes constitutivas de sua implantação e manutenção. Entre o dispositivo da sexualidade , o dispositivo amoroso e o da violência as mulheres- construídas em corpos sexuados, tem sido levadas ou obrigadas a seguir os ditames do patriarcado. Mas os feminismos estão vivos e atuantes para erradicar do imaginário e das práticas sociais estes abusos. E por falar em liberdade.... Adrienne Rich afirma que o temor maior dos homens em relação aos feminismos e suas ações e análises é que as mulheres não se interessem mais por eles, ou que escapem à sua dominação. Temem a liberdade. Temem que a diferença sexual se torne a in-diferença das mulheres em relação ao masculino.[15] Entretanto, as militâncias feministas, tão significativas, tão belas em suas expressões afirmativas mantém suas reivindicações no âmbito da prisão em que as mulheres foram colocadas: seus corpos. “O pessoal é político”, “meu corpo me pertence”, “eu decido sobre meu corpo” são aforismos e manifestações claras de uma afirmação de subjetividade, mas centrada ainda no corpo. É neste corpo que se exercem as pressões e as violências patriarcais, mas é nele também que os feminismos percebem o ponto nodal da dominação. Ou seja, a liberdade do corpo ainda é uma liberdade atravessada pelas normas, já que este corpo define as mulheres como seres incapazes de gerir seu próprio ventre, sua própria maneira de se transformar em sujeito político. Considero da maior importância a marcha das vadias, os movimentos pró aborto, o desafio político da Riot Pussy que provocaram o poder patriarcal de decidir como devem as mulheres se comportar, como devem sentir, se vestir, como devem se colocar no mundo. A contracepção foi conseguida a duras penas pelas mulheres, livrando-as de uma gravidez indesejada. Entretanto, o direito ao aborto, o direito a decidir sobre seu próprio corpo é um ponto crucial da demarcação que define os limites entre ser livre e ser apenas um ventre. Entre ser humano ou apenas mulher. Mas porque não lhes retirar o poder de controle ao exigir a contracepção em qualquer relacionamento heterossexual? Esta é uma prática de liberdade. Quando se realizam movimentos de afirmação homossexual (mulheres e homens), transgênero, bissexual, a diversidade é exposta claramente e a instituição do sexo assimétrico e estereotipado é desafiada ; porém, o referente ainda é o corpo, ainda é o sexo, ainda é binário Se a base é o sexo e a sexualidade, outros modelos redesenham a mesma face. A norma não se desfaz, ela apenas se desloca na diversidade e mantém o fundamento da diferença sexual. Judith Revel observa : « Em lugar da diferenciação por sexo, a diferença se faz agora segundo a sexualidade, como se esta não fosse igualmente uma categorização objetivada pelo poder, um objeto de veridição, que diria o que é o individuo, que contaria seu segredo mais íntimo : não pertencemos a uma civilização onde se exige dos indivíduos de dizer a verdade sobre sua sexualidade para poder dizer a verdade sobre si mesmo ? » [16] A diferença sexual preside toda articulação de gênero, pois na base, está a exaltação do pênis e a implantação da heterossexualidade, domínio específico de dominação patriarcal. A resistência, com a diversidade explícita, se localiza dentro das malhas do poder e ao sacudi-la, reforça seus nós e seus liames. Ao resistir dentro do espaço do corpo, de fato, se reafirma a norma enquanto divisor de águas e de humores. A diferença então, se refere, tanto na sexualidade quanto no corpo sexuado à uma identidade, esta fixada pelos dispositivos patriarcais. Reclama-se identidade em todas as posições, e o trocadilho sexual é inevitável. Mas em práticas de resistência, que reivindicação é esta que não ultrapassa os limites do corpo? A afirmação de uma identidade sexual é o inverso da liberdade. Durante décadas as teorias feministas indagaram, criticaram, refletiram sobre o “ser mulher” como sujeito sócio-político, para finalmente verificar a impossível tarefa de reduzir a multiplicidade do feminino a uma só categoria, oriunda do patriarcado. Assim, o processo de subjetivação do feminino só pode ser transformador na medida em que a própria categoria “mulher” perder sua substancia e significação social. Pois só se é mulher num oposição assimétrica com o masculino referente/ dominante. Onde se encontra, enfim, a liberdade? No processo de in-diferenciação dos sexos, pois como vimos, na base do biopoder patriarcal está a diferença sexual. Deslocando-se do sexo a ordenação social, prepara-se a emergência de um novo sujeito. Para Rosi Brauditti, “ Precisamos aprender a pensar diferentemente sobre nossa condição histórica; precisamos reinventar nós mesmas. Este projeto transformador começa com o abandono do historicamente estabelecido, hábitos de pensamento que, até hoje, tem fornecido a visão “standard” da subjetividade humana. Seria melhor repudiar tudo isto em favor de uma visão descentrada em camadas múltiplas do sujeito como uma entidade em transformação, em um contexto de eterno movimento.” [17] De fato, centrar o desejo de transformação social sobre o sexo e a sexualidade não faz senão tornar inútil a contestação pois seu alcance é solapado por um dado “natural”. Diz Geneviève Fraisse : “Ora, há uma assexuação do pensamento filosófico e científico – o homem universal- ao mesmo tempo em que a diferença sexual e sua assimetria é afirmada. O neutro científico não oferece nenhuma perspectiva heurística pois é uma maneira de escapar à questão da assexuação do social/filosófico e da sexuação do político /econômico. É como se houvesse uma fascinação pelo que é preciso destruir: a heterossexualidade e a dualidade oposta dos sexos.” [18] Como subtrair o sujeito feminino às coerções dos dispositivos ? Como quebrar, romper no imaginário a naturalização de papéis, a força do assujeitamento, da persuasão, o imenso tsunami de violência que ameaça submergir as mulheres ? Já nos anos 1970/1980 as teorias feministas pensavam a invenção de si como um deslocamento conceitual e pessoal, space off [19] da ordem patriarcal, ou como a mímesis, assim denominado por Luce Irigaray[20], um movimento em que o sujeito se coloca dentro e fora das representações sociais e suas constrições. Neste espaço de oscilação, a materialidade do ser mulher no social se desfaz aos poucos, guardando os pontos incontornáveis de posicionamento sem se dobrar às injunções das normas e dos estereótipos. A solidariedade aí encontra seu lugar, ações conjuntas de transformação de si e de outrem. À sexualidade, desmistificar seu valor, que se apóia em todo um aparato de urgência, de necessidade incontornável, apenas um artifício do poder patriarcal. Ninguém morre por não ter sexualidade ativa, mas mulheres morrem por não aceitar a imposição sexual. Quanto ao amor, libertar-se de sua necessidade substantiva, da sua obsessão inerente ao “ser mulher”, representação que ao fazer de mim realidade apenas no olhar e no desejo de outrem, aplica mais uma astúcia do poder. Em contraponto à violência, criar uma outra imagem do feminino, que nada tem da passividade e da idéia da fragilidade atribuídas ao ser mulher na diferença sexual. Implantar neste novo sujeito feminista a idéia da defesa, do revide, da força que habita os corpos femininos. Afinal, existem muitos meios de se combater o emprego da força, basta acioná-los. O exemplo da “gangue rosa”, na Índia, congregando centenas de mulheres, comandada por Sampat Pal Devi [21] mostra a força das mulheres em sua solidariedade contendo a violência e a injustiça implantada pelo patriarcado naquele país. Isto é uma transformação do real, é uma utilização do space off. Inventar-se, construir-se como a outra de si mesma, cuja imagem no espelho reflete movimento, energia, ultrapassando toda coerção patriarcal, isto é o apelo da liberdade. Construção não só como reação às imposições da diferença sexual, mas caminhando para além do sexo, da sexualidade, como subtração aos dispositivos de seus poderes de domesticação e de opressão. A in-diferença é um dos caminhos para eliminar a diferença; se o poder passa pelos corpos, reinventar o corpo num imaginário criador de realidades, fora da ordem do pai, do julgamento de outrem, fora das injunções da beleza, da moda, da passividade, da dependência amorosa ou financeira, é liberdade.. Do dispositivo amoroso reter o amor de si mesma, o afeto, a sensibilidade, a compaixão para o humano e o não humano, para a natureza; abrir novos espaços, romper cadeias, recusar contornos, jogar fora as balanças, as fitas métricas e os sapatos deformadores. Recusar toda tarefa imposta pelo “ser mulher” num mundo humano que seria de partilha justa de obrigações. Inventar a cada instante um ser novo, não mulher, paródia do humano, mas feminista, assertiva, dona de si, novo humano. Mudar a significação das palavras, transformar insultos em elogios, pensar um universo onde mulheres, animais, natureza não sejam objetos de uso, abuso, exploração, cobiça, isto constitui liberdade. Destruir as evidências, dizia Foucault, na transformação de regimes de verdade pois tudo que é construído, pode ser desconstruído. [22] Radicais? Sem dúvida, mais do que nunca. Uma vez identificados as raízes e os limites da apropriação fazer delas objeto de derrisão, de ironia. Afinal, o pênis, arma do masculino, é um indigente fundamento de poder. Tolerância zero com qualquer tipo de naturalização, contra a injustiça, contra a crueldade. A indignação é um motor de ação. Sexo e sexualidade? Dar a estes a importância que realmente têm: função corporal e não matriz identitária. Mudar o regime de verdade significa criar uma nova percepção do mundo e de si mesma, sem esquecer que a produção de representações institui, neste caso, novas realidades. Conflitos? Para Judith Revel, “[...] a dessimetria parece-nos passar, ao contrário, pela possibilidade de valorizar a liberdade intransitiva [...] nas malhas mesmo do próprio poder, como força de invenção, como matriz constituinte, como processo criativo. Isto não exclui que seja preciso valorizar também as necessidades de lutas de liberação. Mas isto significa que não há liberação sem prática da liberdade. Se não somos capazes de inventar – lá onde o poder se limita a gerir o existente – não podermos jamais nos desfazer de sua sombra onipresente.” [23] Feministas em ação são aquelas cuja diferença só se verifica do translado de si para si, na reinvenção contínua da subjetividade e na ação transformadora desta realidade estabelecida sobre o conflito, o poder, a dor e a morte. Feministas, sujeitos de transformação, arautos de liberdade. Vocês são o futuro. [1] Fraisse, Geneviève. Voir et savoir la contradiction des égalités. labrys, études féministes/ estudos feministas janvier / juin 2013 -janeiro / junho 2013, http://www.tanianavarroswain.com.br/labrys/labrys23/filosofia/gfraisse.htm, consultado em 6/4/2013 [2] Foucault, Michel .. Microfísica do Poder, Rio de Janeiro : Graal,. 1988, p 258[3] Idem, p 259 [4] Colette Guilaumin, Sexe, Race et Pratique du pouvoir. L’idée de Nature, Paris, Côté-femmes, 1992 [5] Fraisse, Geneviève. Voir et savoir la contradiction des égalités. labrys, études féministes/ estudos feministas janvier / juin 2013 -janeiro / junho 2013, http://www.tanianavarroswain.com.br/labrys/labrys23/filosofia/gfraisse.htm, consultado em 6/4/2013 [6] Jodelet, Denise (ed.), Les représentations sociales, Paris : PUF,1989Judith Revel (web1) Devenir-femme de la politique, http://www.cairn.info/revue-multitudes-2003-2-page-125.htm, consultado em 6/5/2014 [7] Op.cit. Colette Guilaumin, Sexe, Race et Pratique du pouvoir. L’idée de Nature, Paris, Côté-femmes, 1992 [8] Foucaul, op.cit, p. 246 [9]Rich, Adrienne. La contrainte à l´hétérosexualité, Questions Féministes, n.1, Mars Paris : Editions Tierce,1981. [10] http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mulheres.pdf O IPEA publicou nota apontando erros em sua própria pesquisa, depois da repercussão internacional que teve o resultado apresentado. [11] 17 de maio de 2014. Quase 300 meninas foram raptadas por radicais islâmicos e permanecem em destino desconhecido, há mais de um mês [12] Rosi Braidotti. Nomadic Feminist Theory in a Global Era, http://www.tanianavarroswain.com.br/labrys/labrys23/filosofia/rosibraidotti.htm, consultado em 5/5/2014 [13] Pateman, Carole (1988) The Sexual Contract, Blackwell Publishers, traduzido para o português em 1993. O Contrato sexual, São Paulo, Paz e Terra. [14] Wittig,Monique, “La pensée straight”, Questions Féministes , Paris, n.7, février 1980. [15] Op.cit., Rich, Adrienne. La contrainte à l´hétérosexualité, Questions Féministes, n.1, Mars Paris : Editions Tierce,1981. [16] Judith Revel. Construire le commun : une ontologie, http://eipcp.net/transversal/0811/revel/fr, consultado em 6/5/2014.[17] Braidotti, Rosi, .Difference, Diversity and Nomdadic Subjetivity. http://digilander.libero.it/ilcircolo/rosilecture.htm, consultado em 6/5/2014. [18] Geneviève Fraisse, Voir et savoir la contradiction des égalités, Labrys, études féministes/ estudos feministas, janvier / juin 2013 -janeiro / junho 2013. [19] de Lauretis, Teresa. Eccentric subjects: feminist theory and historical consciousness, Feminist Studies 16, n.1 spring 1990 p 115/150 [20] Irigaray, Lucy. Ce sexe qui n’en est pas un : Editions de Minuit, 1977. [21] Sampat Pal Dev. Gulabi Gang, um exemplo a ser seguido http://blogueirasfeministas.com/2012/11/gulabi-gang-um-exemplo-a-ser-seguido/, consultado em 6/5/2014[22] Foucault, Michel. L´ordre du discours : Gallimard, 1971[23] Op.cit. http://eipcp.net/transversal/0811/revel/fr, consultado em 5//52014 |